nem tudo tem que fazer sentido.
às vezes é preciso se desprender
correr o risco
de não ser perfeito
mas fazer acontecer.
primeiro a gente planta
pra só depois colher.

é coisa de aniversário

abro a porta
e vejo que o tempo me tem.
já são anos demais pra ser novo
pouco tempo pra ser velho.
é tudo mediano.
as crianças me chamam de tio
a música alta do vizinho me incomoda
as gritarias também.
mas ainda gosto muito de dançar
de brincar de coisa à toa
de ser besta e fazer palhaçada.
o que o tempo passando quer me dizer?
às vezes eu tenho medo
às vezes quero ficar sozinho
tem dia que quero abraçar todo mundo
eu penso muito nos outros
e ouço muito que sou chato
mas eu me preocupo
eu sei que incomodo
e isso me incomoda
porque eu penso demais no que os outros pensam de mim.
é sempre assim.
preciso ser egoísta pelo menos hoje
e pensar em mim.
onde eu tô? onde eu quero chegar?
o que eu tô fazendo que vai me deixar mais feliz?
aniversário é sempre tão reflexivo.
eu sinto a mudança passando em mim
não é só o tempo
não é a coisa de idade
é que tudo tá mudando
é mais profundo
e eu não sei se consigo explicar com as palavras.
se você visse meu olhar iria entender.
você que eu nem sei quem é,
mas que tá aqui pra me ler
a leitura seria melhor se você me visse.
eu tô feliz, eu tô bem,
mas bate aquela badzinha lá no fundo.
é coisa de aniversário.
um quarto de século parece um marco importante
eu abro a porta pra ver como tá tudo aqui dentro
e eu vejo o tempo passar,
a gente se olhar e sorrir
não é tão fácil se expor assim
de ser sincero no sentimento
mas eu gosto
mesmo sendo chato
repetitivo ou clichê.
faz parte de quem eu sou
e uma coisa que envelhecer faz bem
é deixar claro pra gente quem a gente é.
aos poucos a gente se constrói,
ao mesmo tempo em que as reformas são feitas
tem muita coisa pronta
e muito ainda pra mudar.

31 de maio de 2020.
(ok, eu não sei ser egoísta ao ponto de não levar em conta a loucura que esse mundo tá. eu já disse que penso demais e uma coisa que sempre passa por aqui é “como ser feliz quando tanta gente tá mal?”. eu não sei, mas gostaria e peço a Deus pra que a gente possa viver num mundo melhor, com uma sociedade que respeita mais, que ama mais e pensa no outro. seria um presente maravilhoso.)

não acredite

até não fazer sentido
eu me contorço
no alto desse prédio
escalo as paredes mentais
observo do alto o cais
e a onda que vai e vem
nesse céu azul metálico
refletindo luzes solares
nos edifícios gigantescos
que insistem em ofuscar
o morrer e o renascer do sol
diariamente.

não acredite
eu minto.

quarentena

sentado de fora do mundo
sem eira, nem beira
diante de um reflexo
de tudo o que passa
na galáxia
dá força, mas dá raiva.
dá medo de ter que perder
tudo e todos
tem tempos que eu não sei ser só.

o céu

subo no telhado pra sentir o gosto do céu
tem horas que eu agradeço por ser frágil demais
tenho uma conexão direta com o criador
é só falar, é só fechar os olhos.
mas daqui do alto
com gosto de céu na boca
me sinto menos eu
sozinho me faço mais perto de Deus
ponho no bolso essa fragilidade
se eu cair daqui sei que me quebro.
não tem problema,
eu me refaço.

às vezes

É noite. Meu medo me faz dançar. Em ritmos que eu não consigo pensar, que eu não consigo parar. Um braço pra cá, uma perna pra lá. Trombo contigo. Desculpa. Não foi por querer. O espaço é grande, meu corpo não. Tem gente que me devora, tem gente que me apavora. Tem cantos desse mundo onde eu penso que vou lento demais. Tem tempos nesses cantos onde o mundo é veloz demais. E às vezes eu perco o fôlego.

autossabotagem

digamos que eu tenha raízes bem fincadas em solos sazonais
– em alguns períodos férteis
noutros não –
digamos que eu não tenha a casca grossa
– meu tronco é frágil
e suscetível às mudanças externas –
digamos que meus galhos tenham resistência média
– sem muita consciência
de quantos frutos sustentam a cada temporada –
digamos que eu tenha muitas folhas
– todas bem verdes
e engajadas em gerar energia –
sabendo de tudo isso,
o que eu faria
sendo uma árvore
se eu tivesse o estranho hábito de me podar?

aleatoriedades

torço pra que alguém se aproxime
em algum momento da vida
e me pergunte
com a mesma ansiedade e dúvida que eu perguntaria
por que é que existem planetas
ou por que vivemos a girar em torno de nós mesmos.
espero,
do fundo do meu coração,
risadas no fim dessa conversa
talvez um beijo
um olhar amigo e verdadeiro
ou simplesmente uma série
de novas questões irrespondíveis
pra provar que as conversas aleatórias
sobre a existência de máquinas do tempo
e de poderes sobrenaturais
que não temos
são sempre as melhores.

maldita poesia

tá louco, tá foda
tá o caos lá fora
e aqui dentro eu
preocupado com coisas pequenas.
já deu a hora de ir embora?
o mundo tá tenso
e eu não tenho tempo
pra sofrer em vão.
mas continuo a escrever
linha por linha
com a dúvida constante
“quem vai perder tempo
lendo algo que não é importante?”